Imagine ser uma mulher negra, lavadeira, filha de escravos logo depois da abolição, com falhas no cabelo devido à vida que leva e com um marido que a espanca. Essa é uma trama com todo o potencial para ser um drama extremamente triste. Mas estamos falando de Madame C. J. Walker, a primeira mulher milionária por méritos próprios dos EUA, feito que a levou a entrar no Livro dos Recordes. E toda trajetória dela é contada na minissérie da Netflix A Vida e a História de Madam C.J. Walker, que entrou há poucos dias no catálogo.
Esse enredo parece fantasia, mas é baseado em fatos reais. Sarah Breedlove (Octavia Spencer), que depois se tornou Madame C. J. Walker, vivia quase na miséria e, para piorar, sofria com o cabelo caindo, cheio de falhas. Até que Addie (Carmen Ejogo) bate em sua porta. Ela apresenta seu produto milagroso que cuida do cabelo de mulheres negras. Sarah reconquista as madeixas e a autoestima. E decide que quer fazer o mesmo por outras mulheres. Então Sarah começa a construir um império da beleza e cosméticos para mulheres negras em pleno início do século XX.
Um dos maiores trunfos da série é que ela não foca apenas no fato de que uma mulher negra e pobre deu a volta por cima e mudou a suas circunstâncias e a de milhares de mulheres na época. A Vida e a História de Madam C.J. Walker navega por vários temas importantes e mesmo atuais. Fala sobre feminismo e o lugar da mulher no mercado de trabalho, já que naquele tempo era quase impensável uma empreendedora, ambiciosa e perspicaz. Assim como o machismo, porque se hoje muitos homens se sentem diminuídos pelo sucesso de uma mulher, imagina naquela década? Também é sobre a força e o empoderamento negro, principalmente das mulheres, já que ela não vendia apenas produtos de beleza, era autoestima e reconhecimento. E até mesmo sexualidade e saber quem é você e aceitar.
Outro acerto muito grande da minissérie é o elenco. Se tem a Octavia Spencer eu já fico interessada. Para mim ela é sempre sinônimo de uma excelente atuação em uma boa história. E eu não estava errada aqui. Madame C. J. Walker é retratada com seus defeitos, falhas, e, é claro, as qualidades. Além dela, temos Carmen Ejogo, Tiffany Haddish, Kevin Carroll e Blair Underwood, que trabalham muitíssimo bem.
A ambientação e figurinos são muito bonitos. A gente se sente no sul dos EUA no período de 1910. O design de produção é sem defeitos, tirando as músicas, que nem sempre combinaram com o século em que passa.
Há alguns probleminhas de roteiro, mas nada que incomode muito. Além do clima um tanto melodramático em alguns momentos, por terem sido apenas quatro episódios com cerca de 50 minutos cada parece em alguns momentos que tudo ficou corrido. Por exemplo: no terceiro capítulo ela está batalhando para crescer e se firmar. No começo do quarto já é milionária. Outro ponto é o tom fantasioso em alguns momentos, como quando ela sonha acordada com a sua fábrica ou as cenas de luta de boxe com Addie, sua concorrente, que tiram um pouco do brilho da história real de Madame C. J. Walker.
A verdadeira Madam C. J. Walker |
E por falar na história, a maior reclamação que vi sobre a produção é a falta de comprometimento com a realidade. A “inimiga” Addie, retratada quase como uma vilã cartunesca que tem como objetivo de vida acabar com Madame C. J. Walker. Os registros mostram que na verdade elas trabalharam juntas e foram de certa forma colegas. Além disso, muitas pessoas afirmam que muito da trajetória da protagonista foi diferente e nos incentivam a pesquisar um pouco mais sobre ela, inclusive a ler o livro no qual foi baseada a trama, escrita por A'lelia Bundles, uma descendente da empresária.
A Vida e a História de Madam C.J. Walker é uma excelente minissérie. Assisti numa sentada só, como se fosse um filme de 3h ao invés de episódios. O espectador fica fascinado com a coragem, empreendedorismo e mente dessa mulher que se fez sozinha mesmo em meio a uma sociedade masculina, branca e que pouco espaço dava para o mercado da beleza.
Recomendo.
Teca Machado