Um Homem de Sorte - Crítica


Um Homem de Sorte, do diretor Billie August, que está na Netflix, tem cara de filme bibliográfico. Na verdade, passei vários minutos tendo certeza de que era uma história real. Mas, pesquisando sobre ele, descobri que é uma ficção criativa sobre a vida do próprio autor do livro no qual o roteiro foi baseado, Henrik Pontoppidan. A obra, inclusive, ganhou o Nobel de Literatura em 1917, principalmente pela forma como descreveu a sociedade da época.


O filme dinamarquês se passa no final do século 19 e conta a história de Per Sidenius (Esben Smed), um homem de família religiosa muito conservadora e humilde que não quer seguir a tradição dos irmãos de ter uma carreira no clero. Com uma inteligência acima da média, Per prefere o caminho da ciência e da engenharia. Estudando em Copenhague, o rapaz tenta implementar um projeto de energia elétrica que conta com o uso de recursos naturais ao invés de carvão. Neste processo para conseguir financiamento, Per passa a frequentar a casa da família Solomon e logo se interessa por Jakobe (Katrine Greis-Rosenthal), a filha mais velha e herdeira da fortuna.

Me disseram que Um Homem de Sorte era um filme incrível. Então fui com muita sede ao pote. É bom, mas nem de longe o que pensei que seria. A sensação que tive foi a de que saiu do nada e foi para o lugar nenhum. É uma produção sem um grande acontecimento ou um enorme plot twist. Nem mesmo há um antagonista, a não ser o próprio Per.



E por falar no protagonista, ele é interessante e complexo. Ao longo da produção nos desperta muitos sentimentos, dos melhores aos piores. Per tem paixão pelo que faz e muita inteligência, mas ao mesmo tempo é arrogante, não sabe perdoar e é volátil. Tem uma ganância profunda, mas não apenas por dinheiro e sucesso, mas em ter prestígio e ser admirado por seus grandes feitos. Tanto que o maior questionamento do filme é se os valores enraizados e a criação na infância realmente permeiam todo o caminho da pessoa e influenciam a vida adulta. Esben Smed fez um excelente trabalho como Per. Seus olhos realmente brilham quando fala do seu trabalho e há culpa e vergonha em si quando o assunto são os seus relacionamentos familiares e amorosos.

Há alguns problemas de roteiro em Um Homem de Sorte. Ele é tido como um gênio, mas pouco o mostra na faculdade, estudando e criando seu projeto. Além disso, a família Solomon o aceita de bom grado, mesmo que ele tenha uma religião diferente e uma origem mais humilde. Na verdade, essas coisas realmente não importam, mas quando temos em mente a época em que o filme passa, não sei se seria algo tão tranquilo. Toda questão psicológica e de traumas de Per ficam subentendidas, mas não tão claro se ele é daquela maneira por culpa da sua criação ou devido à própria personalidade. Imagino que no livro essas questões sejam melhor trabalhadas.



A ambientação é um dos maiores acertos do filme. A retratação da Dinamarca do fim do século 19 é lindíssima e os figurinos são muito acurados. O diretor montou uma fotografia que é um deleite visual, principalmente em grandes planos abertos, como na grande Copenhague, em Jutland, local de nascimento de Per, na Alemanha e em casas de campo.

Quem for assistir Um Homem de Sorte precisa estar preparado para a sua duração: 2h47. Na verdade, a produção foi concebida para ser uma minissérie, por isso o roteiro não se preocupa em correr ou resumir os acontecimentos. Eu acabei assistindo em dois dias, porque dormi no meio do filme. E pesquisando descobri que em vários festivais de cinema foi dividido em duas partes, para que a audiência tivesse um descanso. Não que seja algo extraordinariamente longo (alô, Senhor dos Aneis, Titanic e Ultimato!), mas não é um filme que te prende tanto a atenção em todo o momento.



De todo modo, Um Homem de Sorte é um drama sobre um homem que deixa sua maior virtude se tornar sua ascensão e também sua queda.

Recomendo.

Teca Machado


24 comentários:

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  4. Oi, Teca. Tudo bem? Um Homem de Sorte ainda não assisti, apesar de ter ouvido muitos elogios à respeito desse longa metragem. Ao ler sua resenha tive a certeza de que, se eu o assistí-lo não irei gostar, apesar dos pontos positivos contidos no filme ao qual você citou. De qualquer modo me parece ser um filme insosso, pelo menos para mim, mas certamente muitas pessoas gostarão do filme, caso vierem à assistí-lo. Um abraço!

    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com

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  5. gosto desse tipo de filme de época e fiquei curiosa pra assistir esse

    www.tofucolorido.com.br
    www.facebook.com/blogtofucolorido

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  6. Não conhecia este filme! Na verdade, até há cerca de quinze dias atrás (quando ativei o meu mês grátis da Netflix), não estava muito informada dos filmes do canal de streaming. Lamento que este tenha tido algumas coisas que não foram do teu agrado. Ainda assim fiquei curiosa para ver como mostram a Dinamarca antiga!

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  7. Olá, Teca.
    Quando vi o título achei que era o filme baseado no livro do Nicholas Sparks hehe. Apesar de ter achado o figurino muito bonito, acho que é um filme que não vou assistir porque não me chama tanto a atenção.

    Prefácio

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  8. Oi, Teca!

    O filme é lançamento na Netflix? Eu ainda não conhecia. Apesar de gostar de alguns dramas, quando são bem feitos, acho que não assistiria esse, pois, segundo a sua resenha, ele não sai do lugar, nem se desenvolve tão bem. Porém, adorei as fotos, mostram como o figurino e o cenário estão incríveis.

    Beijocas.
    https://artesaliteraria.blogspot.com/

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  9. Oi Teca!
    Não tinha visto esse filme ainda por aí... Um filme q sai do nada e vai pra lugar nenhum é ótimo, hahahah
    Não vejo esse estilo de filme com muita frequência, e sendo um de 3 horas, acho que vou passar a dica por enquanto!
    Bjs
    A Colecionadora de Histórias - Blog

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  10. Oi Teca, tudo bem?
    Quando li o nome da postagem, achei que fosse falar daquele filme baseado no livro do Nicholas Sparks. Aí fui me surpreendendo conforme li o review rs.
    Achei a trama bem interessante, a ambientação e figurinos também, e fiquei surpresa por nunca ter ouvido falar nesse longa. Mas você conseguiu me deixar curiosa! Vou procurar.
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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  11. Oi, Teca!
    Pelas suas considerações, vou passar a dica... quase 3hs e parado é na certa eu dormir e não voltar para assistir o restante hahahaha
    Beijos
    https://balaiodebabados.blogspot.com/

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  12. Oi Teca,

    Fiquei mais encantada com o longa pela ambientação do que pela sinopse em si.
    Uma pena o livro não ter grandes reviravoltas. Eu gosto quando a obra nos revela algo surpreendente!

    Bjs e uma ótima noite!
    Diário dos Livros
    Conheça o Instagram

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  13. Oiii teca

    Apesar de ter curtido a ambientacão dele, acho que seria um filme que me daria sono... acho que um plot twist, um antagonista e tudo que vme no pacote são necessários pra trazer um pouco de impacto na história, por melhor que ela seja já. Tenho certeza que não é um filme pra mim, pelo menos por enquanto.

    Beijos, Ivy

    www.derepentenoultimolivro.com

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  14. Oi Teca,
    Eu amo produções nórdicas, então ficarei de olho nessa.
    Vi o título pensei que fosse o do Zac Efron kkkk
    E tipo, porque não editaram pra série, aliviaria assistir, pegava quando pudesse.
    Acho que o maior filme que assistir até hoje foi A Fita Branca, lembro que também tive que pausar e voltar no dia seguinte.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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  15. Oi Teca,

    O mais da excelente fotografia e a performance do Esben Smed, o roteiro nos proporciona uma rara oportunidade para refletirmos sobre a nossa natureza humana. Verdadeiramente se trata de uma obra instigante. Apreciei os seus comentários; são todos pertinentes.

    Erbon Elbsocaierbe

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  16. Rodrigo Adamski

    Sempre subestimo a Netflix, visto que a frustração é eminente na plataforma, porém que obra espetacular fomos presenteados! O filme não contempla o óbvio, se a procura é por uma jornada do herói, tal linearidade não será vista aqui ou melhor pode estruturar parte da obra mas extraordinariamente nas entrelinhas. Se buscar avaliá-lo com a perspectiva do enrendo "um jovem engenheiro busca provar sua geniosidade" estará indo por um caminho banal. A obra é sensivel. A complexidade de Per está no excesso de verdade consigo mesmo a ponto de renegar conveções humanas - e sempre deixadas em evidências na sociedade dinarmquesa de tal período. Ele vê sua verdade como única e óbvio, nós como espectadores o odiamos porque o julgamos com nossas mentes modernas. Julgar Per é tão complexo quando o bombardeamento de informações que o jovem sofre ao chegar em Compenhage, visto que, ainda que buscasse uma ruptura, ele estava amarrado as raízes austeras da familia, a rigidez religiosa, a pobreza e a simplicidade do interior onde habitava confrontada com a complexidade da sociedade urbana.

    Quantos Pers não encontramos em nossas vidas ou o quanto Per não somos quando há incapacidade de lidar com empatia ou admitir nossos erros? Acrescento a isso a frieza de trato das relações humanas no filme, sempre secas, sem necessidade de justificativas, respostas binárias. Além do excesso de etiqueta e burocracia, o protagonista hora evidencia sua frieza e hora a quebra para alimentar a sua vaidade (exemplo na cena da carroça ao correr para impressionar Jakobe).

    Concluo também quanto o filme é alegórico. O enredo poderia ser assim como o é ou sobre um jovem que tenta buscar a cura para uma doença rara como pano de fundo para sua assenção. O método para a assenção não é a importância aqui mas sim o conflito entre o desejo de um bem coletivo contrapondo fraquezas humanas do protagonista como orgulho, vaidade, ego, mesquinhez (não de recurso mas de afeto e empatia), será que ele realmente queria fazer o bem para a sociedade dinamarquesa ou buscava apenas ser mais do que ele foi? O uso recursos que ele dominava como a arte de seduzir e até certo carisma como estratégia calculista para chegar a um objetivo dão indícios disso.

    Particularmente, vejo a obra com uma riqueza de possibilidades de discussões, seja em pensar no visível engessamento de uma sociedade (existem ricos, pobres, católicos, judeus, estudante, ciência, fé porém não há conexão entre tais grupos); seja pela busca da felicidade por um caminho inusitado - e visto como despresível, nesse caso a solidão, quem busca a felicidade na solidão? (respondo: quem se distancia porque sabe o quão é prejudicial a outras pessoas); seja pelo mal que uma falta de estrutura familiar, de afeto, de acolhimento causa a um ser humano que poderia ser um homem brilhante; seja por aceitar quanto a vida é confusa e como somos reféns de uma cultura que queremos nos livrar e por mais que a gente lute sempre estaremos ligados a ela; seja por simplesmente encontrar-se no arrependimento.

    Mais uma vez, reitero uma das melhores obras recentes mas apenas para um olhar acurado e não para simples entretenimento.

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    1. Sua visão do filme é sensível e verdadeira...Gostei do filme e da sua explanação.

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    2. Enfim uma comentário inteligente sobre o filme!

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    3. Fantástico comentário, temas filosóficos intrigantes das profundezas da mente humana. Aspectos psicológicos como repetição de padrão familiar diretamente encarcerado diante de uma mágoa parental profunda onde o protagonista fica refém dentro da sua fortaleza solitária do Orgulho e Vaidade até o fim da vida. Acredito que só quem tem coragem de entrar nesse nivel de reflexão consegue ver o valor desta obra -> Que é baseado em um prêmio nobel. Definitivamente quem está acostumado com a "Jornada do Herói" de Star Wars não vai entender e apreciar a profundidade e importância dos conceitos desta obra e ficar dias refletindo sobre estes temas e transformar sua própria vida pós "Um homem de Sorte". Extraordinário, sem palavras para descrever a gratidão ao autor!

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    4. Filme espetacular, assim como o comentário do Rodrigo Adamski em meio aos outros que li, parabéns!

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  17. O filme é pra quem tem inteligência, sensibilidade.
    Não é um filme Hollywood, sim Europeu.
    Críticas a sociedade, valores, aspectos psicólogos, filme que te faz pensar e re- pensar depois que acaba.
    Assisti 3 vezes !
    Fantástico!
    Assistam!

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  18. Filme excelente,pensei que fosse uma história real!O início achei meio massante,mas depois me prendeu minha atenção e fiquei viajando na fotografia. Super recomendo.

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  19. Muito bom. Não é sempre que encontramos um filme com conteúdo tão forte, envolvente que prende nossa atenção e nos questiona tanto. Adorei !!! Que a Netflix mais filmes assim. Vale a pena assistir, em meio a tanta filmes bobos que aparecem e pior ainda tem quem assista e ache bom ???

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  20. O filme não é ruim, mas, melhor que o roteiro, são as lições que o filme transmite, essas sim são uma super produção, trata de temas importantes, como traumas de infância, o quanto a "religiosidade' é prejudicial, mostra a arrogância de um homem sem posses e a humildade de uma família inteira,com muitas posses, o que parece uma contradição, mas é um grande ensinamento, e a atriz principal Jakobe, dá um show de mansidão, amor,, humildade, verdade e perdão. Por todas essas mensagens que o filme transmite aos telespectadores, faz dele um bom filme.

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