Como digo constantemente, eu leio de tudo um pouco. Tudo bem que os gêneros preferidos são chick-lit, romance, fantasia e suspense policial, mas não tenho muito preconceito, não. Se a sinopse me interessou, lá vou eu mergulhar nas páginas, não me importando com quem é o autor. Claro que nomes conhecidos me chamam a atenção (Quando vejo um Harlan Coben novo até hiperventilo), mas não ignoro um livro pelo escritor (Talvez pela capa feia eu ignore). O português José Saramago não é um autor que eu tenha desejo pelas obras, apesar de já ter ganhado o Prêmio Nobel da Literatura. Mas achei que seria bom ler pelo menos uma para poder formar uma opinião sobre ele. Minha escolhida foi uma dos mais famosas: Ensaio Sobre a Cegueira. E, apesar da estranheza inicial pelo modo como é escrita, gostei.
José Saramago foi meio malvado com os leitores: Escreveu parágrafos que se alongam por páginas, frases com 58 vírgulas, 25 linhas e sem pontos finais, além de que as falas dos personagens não são marcadas por travessão, estão perdidas no meio do texto. Fora que ninguém tem nome. As pessoas são denominadas pela sua aparência física ou profissão. No início fiquei meio perdida e me incomodou o estilo da narração, mas a história é interessante e diferente, então acabei me acostumando e relevando esse fato. A leitura fluiu rápido mesmo assim, porque fiquei extremamente curiosa sobre o final. Não leria vários livros desse estilo, mas foi bom para mudar a rotina.
Em Ensaio Sobre a Cegueira, num local e num tempo não especificados, as pessoas começam a perder a visão sem nenhum aviso prévio e sem dor. Não de uma forma convencional, “enxergando” tudo preto, mas como se tivessem sido mergulhados no leite ou em uma névoa branca. A doença, que ninguém sabe do que se trata, começa a se espalhar virando uma epidemia. Os primeiros infectados são colocados em quarentena, trancados em um manicômio abandonado para que a cegueira não se espalhe. Uma mulher que ainda enxerga finge ter ficado cega para que possa acompanhar o marido. O leitor tem a percepção do ambiente narrado por causa dos olhos dela.
Cartaz da versão cinematográfica
Com cada vez mais cegos trancafiados naquele local horrível, sujo e sem cuidado maior do governo, o manicômio vira um caos. Os instintos mais animalescos vêm à tona, transformando as cadeias brasileiras num paraíso perto daquilo. As necessidades mais básicas passam a ser prioridade. O mundo sem enxergar não possui frivolidades nem divertimento, só uma urgência em sobreviver a qualquer custo. Qualquer custo mesmo. José Saramago não economiza na descrição da sujeira, da podridão tanto humana quanto de resíduos reais e do desespero. O leitor vai se sentindo com um peso no peito, uma agonia pelos personagens, pelo mundo.
José Saramago deixa uma dúvida no ar: Ele falava sobre a cegueira literal ou sobre não enxergar o seu redor? No livro não há grandes explicações sobre o caso, então fica à cargo do leitor fazer a interpretação que quiser.
Em 2008, depois de muito recusar e de dizer que “o cinema destrói a imaginação”, José Saramago deixou que o diretor brasileiro Fernando Meirelles transformasse Ensaio Sobre a Cegueira em filme. Filmado em São Paulo e em Montevidéu, o resultado é extremamente parecido com o livro e dá a mesma sensação incômoda e claustrofóbica que a obra de papel. Não é um filme comercial, se tornando às vezes lento.
A mulher do médico guiando os cegos
A fotografia do longa é toda em tons brancos, claros e saturados, uma referência à cegueira branca. Julianne Moore é a mulher do médico que enxerga tudo e Mark Ruffalo o médico, um dos primeiros a ficarem cegos. A brasileira Alice Braga também faz o filme, como uma das companheiras de manicômio do casal, assim como o mexicano Gael García Bernal, na pele do odioso e ditatorial companheiro de quarentena. Ótimo elenco escolhido a dedo.
Recomendo livro e filme.
Teca Machado
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